Tudo sobre meu pai

Na infância de todos nós, quantas brincadeiras...
Correr, gritar , esconde aqui, acha lá
Risos, segredos, brinquedos
A vida se abrindo a cada novo jogar

Daquele tempo inocente lembro, sem nunca saber ao certo
Se a criança que eu era se perdeu nas exigências que o destino impôs
Quem poderia contar o que não foi escrito?
Quem poderá saber do outro que teria sido
Se fossem percorridos tantos diferentes caminhos...

Mas nos vestígios da breve infância
Ainda arde a fagulha do que fui e do que sou
Por trás das máscaras que a própria vida encaixou
Onde a criança de outrora ainda habita:
Acanhada, assustada, arisca
A se fingir distraída do choro enquanto procura o amor,
Aquele que nunca se acaba guardado no colo de quem se amou

E vejo que em uma mesma história imperioso se faz
Que das muitas mortes sentidas renasçam outras vidas
Da própria vida que um dia foi minha

Então vou, eu e minha criança, ela tem por volta de sete anos
Acanhada, assustada, arisca
Vamos juntas e não sabemos quem está a cuidar de quem
Porque ela é mais madura e já me viu morrer muitas vezes
E deixa que eu chore absurdos
E permite que eu diga que a desistência uma saída honrosa
E porque ela é madura, e já me viu renascer várias vezes,
Traz sorrisos, chega bem perto, seca minhas lágrimas, passa a mão pelo meu rosto
E me diz: pára com isso, vem brincar, te dou outra vida

Hoje a vida são tantas...
De verdades fugidias e do amor que se transmuta no ébrio instante
Por isso, outros modos experimento, novas maneiras,
Em busca, em busca, ao encontro da tépida vida primeira
Do amor
Incondicional, irrestrito, acolhedor
Amor eterno que a morte não levou





Sempre fico triste e inconformada quando pessoas jovens morrem, seja de que causa for.
Mas fico indignada, revoltada mesmo quando jovens morrem, violentamente, nessa guerra sordida e calada em que o Rio de Janeiro está metido.
A semana que terminou começou , para mim , divertida: shows, dança, azaração, risos. Noites descontraidas para dias duros de trabalho e tensão.
Mas chegou quinta feira e, ligando para minha casa para saber do meu filho, a triste notícia dos meninos mortos, selvagemente, em Del Castilho. Um deles, Maurício.
Não acreditava. Aquele menino, simpático, que conheci em novembro, 17 anos, que me encantou com as suas histórias, que trabalhava desde dos 7 anos vendendo doce, havia sido assassinado brutalmente. Chegou em casa, colocou seu tenis e foi jogar futebol numa favela vizinha.
Morreu de forma bárbara.

Fiquei chocada, olhos marejados, dia arrastado e difícil de aturar.
O dia ficou azedo para mim e meu filho até hoje está em estado de choque. Chora, sem entender o sentido de tanta maldade e lembra da triste cena da mãe que, chorando, pediu: "levanta Maurício..." não acreditando naquela morte, desmaiando em seguida.

Na minha cabeça o sorriso largo e bonito de Maurício, que se foi tão jovem, sem realizar seus sonhos e a força de sua irmã, Claudia, que segurou, com energia, toda barra da família e ainda dava entrevistas, frisando a todos, que seu irmão não era um marginal, tão pouco traficante. Mas um jovem, estudante da 7º série e estagiariário, que saiu para jogar bola e não voltou mais.

À Claudia, a minha homenagem. Aquela mulher forte que vi na TV e nos jornais, para mim, só uma explicação para tanta força: a sua espiritualidade. Só muita espiritualidade para segurar essa barra. A minha admiração e respeito! A minha solidariedade nesse momento!

Tenho rezado a Deus pedindo que me mostre o sentido disso e que conforte essa família nessa dor.
Que toque o coração dos nossos governantes para tirar essas comunidades, a gente, desse total abandono, para que possamos acreditar que será possível ter um Rio de Janeiro melhor no futuro...senão ...não poderemos mais sair nas ruas.

Jovens são para brilhar e viver seus sonhos. Jovens são o futuro.
Até quando mães do Rio de Janeiro terão que enterrar e chorar por seus filhos.