20-12-07

Sinto um pânico, meu corpo todo treme. Acabo viver pela primeira vez o encontro que eu mais temia desde que moro sozinha. Estava feliz falando ao telefone com minha prima mais querida que vive em Londres, na maior descontração, enquanto dava uma de Marineide na minha casinha. Varria o chão, passava um pano, varria o chão passava um pano. Fiz isso pela casa toda, quando cheguei na cozinha, fui passar o pano debaixo do fogão, foi então que o pânico tomou conta. Finalmente esbarrei com meu mais temido obstáculo - uma barata gigantesca se encontrava embaixo do aparelho doméstico que eu mais gosto. Estou sempre ali cozinhando, e aquela criatura ali embaixo vendo os meus pezinhos!!! Que horror!!! Que medo!!! Comecei a gritar, chorar, rir de nervoso, pânico, e total consciência da situação patética que eu estava a encenar. Acho que só ri, porque minha prima estava do outro lado do telefone às gargalhadas, não deu pra não ter crítica, era realmente ridículo, mas completamente verdadeiro e neurótico. Não sabia o que fazer, e a minha casa é toda aberta, não tem quarto – conclusão não dá pra fechar a porta. Era eu e a barata dividindo o mesmo pequeno espaço. Eu já suava, sentia o calor do pânico, não dava para sair correndo, estava de pijama! Tive que respirar fundo, para pensar em uma saída. Coloquei qualquer roupa correndo e desci para chamar o que hoje seria o homem da casa!!! Falei com Vicente o porteiro. Com lágrimas e uma voz sofrida disse: Vicente pelo amor de deus vem matar uma barata pra mim!! Por favor! Obviamente, ele começou a rir - quem não faria o mesmo?! Ele subiu, tirou a barata, que estava morta e saiu rindo, e eu só chorava.
Nesse exato momento em que escrevo para tentar aliviar a tensão, não tenho coragem de entrar na minha cozinha. Liguei para minha mãe e pedi para que a moça que arruma a casa dela viesse para cá, só pra limpar o espaço em que aquele ser chegou a ocupar.
Sei-lá tenho medo de achar uma asinha, uma antena – isso significaria outro ataque de pânico. Ainda encontro-me bem nervosa, ou seja, enquanto escrevo sinto a barata andando no meu cabelo, no meu braço, nas minhas costas, está tudo coçando!!! Vou sair daqui agora correndo para minha sessão de análise, porque só com muito tratamento mesmo.

--------------------------------------------------------------------

Escrevo e apago, escrevo e apago, uma criatura indecisa, que não sabe escolher, não sabe selecionar. Vai quando não sabe nem porque chegou. Ela procura um buraco quando a superfície se entrega lisa. A superfície não é sempre assim, já a vi dura, grossa, densa, escura. E é sempre assim que a criatura quer se enxergar. Ela acha que se percebe mais no escuro. Não faz o menor sentido, porque tenho certeza que eu me sensibilizo no claro, na luz. Assim consigo me enrolar, me entregar, mas a criatura não sabe de nada. Ela é criatura, não tem definição, não se encaixa no mundo, não faz parte de uma classificação biológica, ela está à margem dos humanos e de todos os grupos que eles, os humanos identificam. Ela - no meio da escuridão e no escanteio se vê livre. É claro!
Livre porque não se encaixa!
Também não quero me encaixar!
Não quero fazer parte dessa formalidade vazia criada nem sei quando, nem sei por quem, mas foi inventada por outro.
A criatura vive de acordo com ela mesma, eu vivo de acordo com o outro, na verdade vivo de acordo com os outros, com as normas, idéias, expectativas.
Vou pular - me tornar criatura, me emburacar no escuro e assim expor todos os meus outros sentidos, não enxergar a luz, mas ouvir, degustar, sentir e cheirar o branco.

Nenhum comentário: